Conclusões do Congresso AGROTÓXICOS: A NOSSA SAÚDE E O MEIO AMBIENTE EM QUESTÃO

Agradecemos a todos os palestrantes pelos conhecimentos compartilhados e a Professora Doutora Alexandra Aragão por ter elaborado um resumo das palestras, que, após a revisão dos autores, segue abaixo:

Michele Bonatti abordou a questão de saber quem escolhe a forma de produção agrícola como um processo de aprendizado coletivo e de responsabilidade compartilhada. A questão do modo de produção agrícola, relacionada com as percepções humanas,  e apresentada como uma questão cultural. Tratou de diferentes estados de vulnerabilidade entre agricultores familiares e outros. Apresentou-nos um estudo de caso sobre a produção agrícola no extremo oeste de Santa Catarina onde foi feita uma análise do discurso para compreensão da percepção social sobre clima, a qual foi relacionada ao uso de agrotóxicos pelos proprios agricultores.

A questão dos agrotóxicos foi  apresentada como uma questão cultural, porque está relacionado com percepções (enquanto processos psicológicos básicos de compreensão) e com representações (significado socialmente construído).

Rubens Onofre Nodari parte da definição legal de agrotóxicos (lei 7802/89 art 2º) como formas de alterar a composição da flora e da fauna e de herbicidas como forma de eliminação de ervas daninhas, que são plantas que ocorrem em áreas  de monocultura, concorrendo com a cultura dominante e, por isso, os agricultrores consideram que devem ser exterminadas. Os dados estatísticos ao longo do tempo mostram que no Brasil a utilização de agrotóxicos tem aumentado exponencialmente nos últimos anos (passou-se de2,71 kg de princípio ativo por hectare em 2000 para 5,12 kg/ha em 2009, com um pequeníssimo aumento de área cultivada, há uma aplicação em doses superiores ao recomendado e com mistura de produtos formulados, proporcionando novas situações de risco a partir de interações entre diversos produtos. Pior, por vezes são mais perigosas as substâncias adicionadas aos principios ativos (por ex. com funções de espalhamento), do que a própria substância ativa (é o caso do glifosato).

Os efeitos vão desde a morte das células até a mal formação dos espermatozóides e consequentemente deficiências em recém nascidos, desde o câncer até efeitos neurológicos, efeitos no sistema imunológico e endócrino, e, a nível ambiental, o extermínio em anfíbios, por exemplo. Os estudos sobre a presença de agrotóxicos no leite materno mostram como esta realidade está em alastramento.

Vera Lúcia Paes Cavalcanti Ferreira focou especialmente nos efeitos  sobre a saúde, os quais podem decorrer através de inalação, absorção oral, dérmica e ocular, de agrotóxicos.

Especificamente, no que diz respeito ao câncer ocupacional, causado pela exposição crônica, durante a vida laboral, aos agrotóxicos presentes no ambiente de trabalho (industrial ou agrícola). As dificuldades destes estudos decorrem do fato de ser o cancer uma doença de etiologia multifatorial, (requer a interação entre  diversas  exposições ambientais e ocupacionais, associadas a predisposições genéticas e a outros fatores de risco, tais como: obesidade, diabetes, tabagismo, etilismo, Infecção por HIV), e além de se manifestar clinicamente de modo tardio, logo, as dificuldades de nexo causal são enormes. No entanto, certos canceres hematológicos (Mieloma Múltiplo) são 6 vezes mais frequentes no agricultor quando exposto, por ex., a permetrina.

As conclusões do estudo realizado, numa pequena amostra entre agricultores  atendidos, no Hospital Universitário (HU) de Florianópolis, permitem afirmar que:  a maior incidência de canceres sanguíneos nesta população se situa entre 29 e 50 anos de idade, ocorrem sob a forma de leucemia mieloide, e tiveram como outros fatores de risco a associação de obesidade e histórico prévio de câncer. Em suma, concluiu enfatizando a importância da medicina profilática.

Adriana Mello Barotto, Expôs o modo de funcionamento do Centro de Informações Toxicológicas de Santa Catarina (CIT/SC), visto que as estatísticas apresentadas referem-se aos atendimentos feitos pelo CIT/SC. Explica que o CIT/SC atende principalmente casos de intoxicação aguda por agrotóxicos, sendo raros as notificações de intoxicações crônicas ocupacionais, provavelmente por falta de diagnóstico e desconhecimento dos médicos assistentes. Reforça que os casos são subnotificados e que provavelmente os números de intoxicações são bem maiores que os registros do CIT/SC.

Os dados revelam um pico dos registos de intoxicações por agrotóxicos (domésticos e agrícolas) em 2005.

Com relação aos agrotóxicos de uso doméstico a principal circunstância da intoxicação é acidental e em crianças.

Já com os agrotóxicos de uso agrícola a principal circunstância é a tentativa de suicídio, seguida pela exposição ocupacional, principalmente na faixa etária mais produtiva (dos 20 aos 49 anos).

A maioria dos casos evolui com cura, sendo que em aproximadamente 3% ocorre o óbito.

Ressaltou o grande número de intoxicações por “chumbinho”. Este produto trata-se de um agrotóxico (carbamato e/ou organofosforado), utilizado ilegalmente como raticida.

Por fim enfatizou as tentativas de suicídio com o herbicida Paraquat, que apesar de ser responsável por apenas 0,8% das tentativas de suicídio,  representou  21% de todos os óbitos por suicídio. Ressaltou que este herbicida é proibido em vários países da União Européia e que na América do Sul seu uso é restrito no Chile. Existe um movimento mundial visando a proibição do seu uso.

Paulo Roney Fagundez – Na sua comunicação sobre as questões éticas ligadas aos agrotóxicos, e numa sociedade doente, em que a metástase está evidenciada (Baudeleire), realça a importância da conscientização sobre a questão ambiental.

O agronegócio está acabando como o cerrado, com a catinga, com a amazônia. Efeito iatrogénico é notório nas infecções hospitalares, nos tratamentos do câncer como a rádio e a quimioterapia. Ironizando, frisa que se o remédio curasse chamar-se-ia curédio. Mas o remédio apenas remedeia e por vezes piora o estado do paciente. As doenças resultam, muitas vezes, de um conjunto de fatores: fatores ambientais, fatores alimentares, etc e daí a importância da educação para a saúde. Os agrotóxicos estão a gerar uma intoxicação crônica e estamos a comprometer a saúde e a vida da população. A saúde começa na mesa. A agricultura familiar tem a vantagem de fixar o Homem nos campos e evita o êxodo rural.

Este modelo de desenvolvimento encontra apoio no Congresso nacional que está organizado em torno dos interesses econômicos e não representa os interesses dos movimentos sociais movimentos ecológicos, MST, etc.

 

Letícia Albuquerque – Falou-nos sobre a Convenção de Estocolmo sobre POPs. Depois de explicar as características dos POPs e os efeitos nefastos para a saúde e o meio ambiente, explicou a evolução do texto da Convenção, adoptada em 2001 e vigente desde 2004. Inicialmente foram listados 12 substâncias e em 2009, na conferência das partes, foram acrescentadas mais 9 substâncias. Em 2011, no balanço de 10 anos da conferência, ainda acrescentaram o Endosulfan.

As 22 substâncias são divididas em: pesticidas, químicos industriais e produtos produzidos não intencionalmente (ex. dioxinas).

Mesmo com um tratado internacional, certas substâncias beneficiam de exceções para certas doenças e para certos países ou regiões (ex. DDT para combater doenças vectoriais – transmitida por mosquitos – na África). Será esta uma boa solução? Não será esta solução uma manifestação da lógica do comércio (se o DDT é produzido, ele tem que ir para algum lado)?

Apesar de a base da convenção ser ligada ao princípio da precaução, muitos dos efeitos e dos riscos das substâncias são bem conhecidos, ou seja, seria mais uma questão de prevenção e não de precaução.

No entanto, os tratados internacionais não estão a ser suficientes para garantir a segurança química e o risco químico é tratado como um acidente e não como algo que poderia ser evitado. Verifica-se que estes mecanismos internacionais são mais gerenciadores de risco do que instrumentos para banir. A ultrapassagem desta situação exige mudanças nos padrões tecnológicos, na lógica do sistema de mercado em que estamos inseridos, e nos estilos de vida.

Alexandra Aragão – Duas questões: qual o papel do direito? Qual o papel dos cidadãos? Avancei algumas abordagens jurídicas possíveis, não radicais nem fundamentalistas, baseadas na participação, para a regulação jurídica dos agrotóxicos. Um direito ambiental pós-moderno deve recorrer a uma palete de instrumentos e medidas aproveitando as experiências internacionais mais bem sucedidas.

Em qualquer caso, um estado de direito ambiental não pode dispensar o envolvimento das pessoas, enquanto consumidores, educadores, cidadãos, que têm o direito a saber (o que exige muita transparência), direito de dar opinião (o que exige oportunidades de participação) e direito de escolher (escolher que risco queremos correr, e escolher não correr o risco dos agrotóxicos – autodeterminação).

Clóvis Eduardo Silveira – Acentuou a importância da precaução enquanto princípio de responsabilização, princípio de base ética mas com conteúdo jurídico, um princípio de justiça na gestão de riscos complexos. Chega a propor uma diluição, no plano ético, do princípio da prevenção no da precaução, princípio fundamental para inncentivar medidas mais eficazes de protecção. O princípio da precaução. Explicou-nos três diferentes paradigmas ou matrizes teóricas do risco na relação entre as ciências sociais e nas ciências exactas, desde o risco enquanto categoria objectiva e mensurável, passando pelo risco como produto da ação humana (decorrente do mau uso do solo, da ocupação humana desordenada e, de modo geral, da reprodução da desigualdade social), até o risco como constructo social, numa perspectiva antropológica. A conclusão, no final, foi que as instituições jurídicas tradicionais não conseguem administrar os riscos ecológicos.

Patryck Ayala – Faz a comparação entre o modelo de lei dos agrotóxicos de 89 e o princípio da sustentabilidade enquanto princípio ambiental.

O princípio de sustentabilidade, enquanto princípio estruturante do estado de direito segundo Canotilho, exige que o Estado garanta níveis adequados de bem estar das pessoas, dos bens e das condições essenciais à vida. Através da administração de riscos, o estado deve fornecer às pessoas proteção avaliando os riscos envolvidos.

Ora, na lei vigora o regime das autorizações e o dever de registrar agrotóxicos. Fazendo a lei passar por um teste de sustentabilidade, verifica-se que a lei não passa, na medida que o decreto regulamentar de 2002 consagra um modelo menos protetor que o regime geral das autorizações ambientais, as quais têm um regime de eficácia temporal limitada e de revisão a todo o tempo. Também o teste da regressibilidade da medida não passa na media em que um regime posterior protege menos do que o regime anterior (1997, 2002).

Fazendo uma referência ao regime europeu, Patryck Ayala refere o modelo europeu, onde a sustentabilidade dos métodos agrícolas através da protecção integrada, onde o uso de agrotóxicos deve ser econômica e ecologicamente justificado.

Germana Belchior – Apontou a importância da relação dos instrumentos econômicos para a proteção do meio ambiente, em especial o tributo. Explicou a diferença entre tributos extrafiscais e tributos fiscais, entre convênios e protocolos no âmbito do Conselho Nacional da Fazenda, que exerce um papel importante para evitar a guerra fiscal entre os Estados.  Apontou que  existe um convênio entre todos os Estados brasileiros desde 1997, que  impõe aos Estados a redução da base de cálculo  do ICMS referente às operações interestaduais com agrotóxicos. Em relação às operações internas com agrotóxicos, os Estados são autorizados a reduzir a base de cálculo ou isentar de ICMS. Esta medida tem um inaceitável efeito extrafiscal de incentivo à produção e utilização de agrotóxicos que pode chegar a considerar-se inconstitucional. Referido convênio é importante para os Estados, tendo em vista o interesse do agronegócio, sendo difícil denunciar todo o convênio, mas pelo menos (é o mínimo dos mínimos) poderia incluir-se uma cláusula que condicione a aplicação destes benefícios aos agrotóxicos permitidos.